terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Enquete

Já tentei uma enquete sobre onde ficam as meias de cada um. Agora pensei em outra.

Tem uma canção do Chico (Estação Derradeira - clique aqui), retrato muito bem feito do Rio, em que ele teme a noite da fogueira desvairada.

"São Sebastião crivado
Nublai minha visão
Na noite da grande
Fogueira desvairada"


Um chapa, Nelson de Oliveira, homônimo do escritor, dizia que o Buarque era um mau profeta. Que a noite da grande fogueira desvairada nunca aconteceria, que as classes mais mais altas nunca permitiriam, que havia alguns gramas de chumbo destinados a cada candidato a ator da fogueira.

Agora a gente viu tudo aquilo no Rio.

A grande fogueira desvairada não foi. O que foi então?

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domingo, 19 de dezembro de 2010

Suspensórios

Vou logo esclarecendo que os uso.

Não se pode dizer que estão na moda, embora pouco importe, pois a melhor coisa a se fazer com a moda é ficar quietinho, que um dia ela passa por você. Diz um outro Mário que, com bengala e suspensórios, só me falta a gravata borboleta. Exagero do xará.

Tampouco os acho bonitos. Não há como negar que aquelas linhas sobre a camisa compõem um excesso. E eu não estou para excessos.

Uso, pois me cansei de puxar as calças pra cima, como me cansei de apertar o cinto contra os músculos já meio cansados do abdome. Sei de forças e tensões e, pra manter o cós no lugar certo, há que se garantir uma pressão no cinto muito superior ao peso das calças, que o atrito entre os tecidos é pequeno (se você não entendeu essa parte, deve ter um engenheiro por perto pra explicar melhor o que te conto).

Isso só acontece com os homens por uma razão óbvia: não temos quadris mais largos que a cintura, como as moças. Com a cerveja então, eles ficam mixos comparados com ela.

As mulheres com os quadris e os homens com os ombros: cada um segura as calças com o que tem.

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Maria dos Pacotes

Na minha cidade era Maria dos Pacotes. Parece que há em outras.

Moradora de rua, eu nunca soube onde passava as noites, ou se era no mesmo lugar uma após outra. Não acreditava que fosse. Não havia por quê, pois todas suas coisas iam em trouxas nela enganchadas.

Trouxas penduradas em papel amarrado com barbante daqueles grossos, que vinham enrolados, geométricos, em tubos de papelão, e, depois do último nó, um laço grande, alça para um ou outro ombro, uma ou outra mão.

Muitas trouxas.

Passava e não nos olhava brincando na rua. Meninos rueiros. Eu pensava quais as roupas ou detalhes femininos iriam naqueles pacotes, mas não perguntava ou tentava saber.

Um dia um menino disse que viu. Talvez tenha arrancado dela uma das trouxas, talvez batido na mulher, os meninos são rudes, ou eram, talvez não o sejam mais, talvez o sejam ainda mais. Mas disse que viu e eram papéis apertados, amarrotados, inúteis.

Pasmei, na minha meninice: “então não é nada, é só peso; ela nada tem, a vantagem de nada ter é andar livre das cargas, mas a Maria dos Pacotes tem que levar algo duro de carregar”.

Hoje quero crer que fechar o pacote mudava o papel velho em rica seda. Como na cena de “A Bela e a Fera”, de Jean Cocteau, em que as roupas simples da Bela se tornam lindo vestido ao passar, carregada, pela porta do quarto.

Se era assim, quando o moleque abriu o pacote as sedas voltaram a papel? a crueldade da molecagem foi ainda mais dolorosa?

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Brasilidades e mineirices

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Somos todos um pouco mineiros e os mineiros um pouco mais.

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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Monicelli se projeta

Diz que Mario Monicelli se atirou do hospital, em Roma, aos 95.

Muito do que ri, de esguelha, devo a esse homem.

Imagine esse grande Mario, magrela, perna branca, bunda de fora daquela roupa ridícula de hospital, subindo na janela, o tubo do soro pendurado e depois o tubo sozinho, agitado no ar, e a queda, peladão, o outro tubo meio sacudido e o avental voando que nem capa de super-homem.

Não rir tragicamente disso é desrespeito ao que ele foi. Se ninguém filmar, é que a coisa ta feia.

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domingo, 28 de novembro de 2010

Gemada com Porto

Tem uns mistérios no passado de criança da gente. O duro é não ter mais pra quem perguntar.

Era quase uma obsessão dos pais que os filhos fossem fortes, mesmo que gordinhos. "Olha que magro e pálido esse menino!" e dá-lhe Biotônico Fontoura ou (melhor!) gemada.

Uma das gemadas era especial. A mãe fazia com gemas, acúcar e uma gota de vinho do Porto, aquela bebida boa, só assim provada. O resto do copo ela bebia e depois ficava com a cara rosada das festas, quando tomava mouse beer.

O Porto, onde se achava eu não sei e nem com que dinheiro se comprava, que a gente tinha pouco. Era barato? Vendia em copos no bar da esquina como os outros vinhos que eram da receita do bolo?

Só sei que a gemada era divina.

Deixava forte e um tiquinho de pileque. Pra criança talvez não funcionasse, mas pro amor devia ser boa.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Velhas histórias



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Os que não gostam de histórias de velhos acham que viver não serve pra nada?

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(Imagem: Corilo - que já se foi - no seu sítio, em frente ao pico da testa da Serra do Quati, Vale do Jequitinhonha, continente das Minas Gerais)

Veja mais: Araçoaí

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terça-feira, 16 de novembro de 2010

A síndrome de Obelix

Ainda não está no CID 10.

O gordinho Obelix nada tem contra os romanos, mas, quando sabe que estão vindo, sorri e aplaude (aquelas mãozinhas uma contra a outra negam a tese de que quadrinho não se move). Exulta só porque vai ter peleja.

Sofremos da mesma síndrome, não somos tão poucos assim, mas estamos fora de moda.

Deem-nos uma mesa de bar, umas geladas num balde, e logo logo falamos alto, gesticulamos e defendemos com paixão o que possivelmente atacávamos na semana anterior, no bar anterior.

Deixem-nos a peleja. Evita mais enfartes do que se abster de torresmo.

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terça-feira, 26 de outubro de 2010

O carunchinho da dúvida

O apelido, digamos, é Gero. Divertido, falante, de olhar sempre curioso e questionador.

- Esse país aí, o Haiti, vai ver que Deus ta castigando como fez com aquela cidade lá da Bíblia. Primeiro o terremoto e agora essa cólera matando tanta gente. E olha que na Bíblia era cidade. Agora é um país.

- E esses pais que maltratam tanto essa menina. Nesse jornal é só tristeza. Deus pode tudo, podia fazer esses dois estéreis. Mas não faz, deve ser pra exemplo pras outras pessoas.

Roa, carunchinho, roa.

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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Prejuízo da tecnologia

Criar coragem é evolução importante pros adolescentes.

Mesmo que a moça amada, sempre cercada de rapazes mais velhos, não deixasse muito claro se gostava da gente, cabia aos garotos espinhentos de então, ligar e enfrentar o risco de receber o "não". “Não” doía mais que tapa na cara, que era até bom em certas condições.

Tomava-se coragem, “larga a mão de ser molenga”, discava-se o número inteiro, depois de dez tentativas, e “AI QUE BOM, TÁ OCUPADO!”. Missão cumprida. “Fiz a minha parte”.

Agora o identificador de chamadas escancara o vexame. “ih, deu ocupado e ela vai ver que eu liguei e não deixei recado”. Quem vai gravar recado com voz trêmula?

Os pobres apaixonados de agora têm que ligar de orelhão.

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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ainda a MPB

Poesia acho que é assim. Na primeira passada de "Construção" os versos são lógicos. Na brincadeira de inverter os termos das comparações, as passadas seguintes somam acaso à primeira e o melhor verso acabou por ser "e tropeçou no céu como se ouvisse música".

Não conheci até hoje uma única pessoa, com mais de quarenta, que não se lembrasse exatamente do que estava fazendo, com quem ou em que lugar, no momento em que recebeu a notícia da morte da Elis Regina. Popularidade de verdade é assim.

O que faz do Milton a única voz que merece catedral?

Não é por ser popular, mas a mpb tem poucos clássicos. Penso que, na arte, qualquer gênero tem poucos clássicos. "Garota de Ipanema" pode ser a canção mais conhecida do e no Brasil, mas não é um clássico. Clássico é "Asa Branca", é "Tristeza do Jeca", é "Trem das Onze". Um grande compositor pode passar a vida fazendo maravilhas e não ter a sorte de acertar um clássico. Clássico é tambem uma maravilha, mas só aquela que acerta em cheio o coração da sua gente. Claro que essa definição não é clássica. É insuficiente.

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Boca boa

- filha, sua tia tem uma boca bôoooa!

- ela beija bem, vó?

- não, credo!, ela não é vadia, mas come que é uma beleza, olha como tá gordinha.

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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Invenções



Um moço fez uma dissertação sobre a gambiarra:

Dissertação de Rodrigo Boufleur

Isso me lembrou meu pai. Muito habilidoso, não fazia nada mal feito, mas era Prof. Pardal com certeza. Como era insone, meditava muito e de manhã ia pra oficina pra fazer umas pérolas como essa aí em cima.

É um cortador de grama que saiu de um velho liquidificador de ponta-cabeça (vermelho, belíssimo), com rodas de carrinho de feira (azuis!) e tem a caixa do interruptor, de madeira, verdadeira obra-prima.

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Eh, moço Chico Buarque

- O moleque é dessalturinha, bate no seu joelho, Joana.

- Quéisso, Pedro, minha perna é cumprida.

- Perna boa de fugi da polícia.

- Sabe aquela música, do Chico (falei baixinho, desculpa aí, Francisco, queria me aproximar), que o Mussum cantava (falei alto), aquele que trabalhava com o Didi, aquele que morreu?

- O baixinho?

- Não, Cida, o baixinho era o Zacarias, o Mussum era alto, negro, cantava num grupo de samba, a letra era assim: “Deus me deu mão de veludo pra faze carícia / Deus me deu muita saudade e muita preguiça / Deus me deu perna cumprida e muita malícia / pra corre atrás de bola e fugi da polícia”

- Que bonito! E é tudo rimado, né?

Os três ali lavando prato atrás do balcão e o dono, no caixa, de cara amarrada, que “desse jeito o serviço não sai”.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Hora de trem e de afeto

Talvez por ter sido concessão dos ingleses, na Rede Ferroviária Federal os horários de trem eram quebrados. Se um partisse de Jundiaí às 8 horas, passaria em Campo Limpo Paulista 8:23 e era esse horário exato, não arredondado, o divulgado aos passageiros.

Quando conheci a estrada de ferro, já obsoleta, o comboio atrasava muito e o tal do subúrbio (assim se chamava o trem que não era expresso) passava às 9 e meia, sem cerimônia, "está encostando na plataforma, com destino a São Paulo, o trem das 8:23". Muitos riam.

Os brasileiros temos a fama de atrasados, o que não é verdade para todos. Na minha cidade, pelo menos as pessoas da geração anterior à minha não tinham ainda esse hábito, moderno e displicente, de se fazer esperar.

Emília e Irmes iam sempre juntas ao cemitério. Irmes combinava de pegar a cunhada com seu fusca, na esquina da sua rua com a avenida, às 15 pras 8. Passava às 7 e meia, "senão ela fica lá de pé esperando".

A outra já estava lá desde as 7 e 15, "se eu não estiver lá, onde ela vai parar?".

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Navegar é exato

Navegar é exato. E tem borrascas, recifes e sereias.

E viver nem exato é.

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quarta-feira, 14 de julho de 2010

Nome sujo

Dizem que a crença de que misturar manga com leite é morte certa foi criada para evitar que os escravos, que consumiam muito um dos alimentos, consumissem escondidos também o outro, mais raro e destinado aos senhores. Se era a manga ou o leite o proibido eu não sei, já ouvi as duas versões.

Truque maquiavélico esse de criar uma falsa crença nos pobres pra se esbaldar sozinho nas guloseimas!

Mas há outro. Os da antiga da minha rua, sempre sem dinheiro, diziam que aquele que não paga dívida fica com o nome sujo.

Que expressão cruel: nome sujo!

O nome é um dos orgulhos das pessoas. Um juiz professor de direito me contou uma vez, com olhos marejados, sobre o seu arrependimento por ter seguido a lei com rigor excessivo e não ter dado um sobrenome a um rapaz que não conhecia sua origem. "A gente vê tanta decisão errada, motivada por argumentos injustos. Eu devia ter dado um nome ao menino, mas era muito jovem, cheio das 'leis'".

Em algum momento da nossa história - nem toda tradição é boa - foi criada a expressão nome sujo para apelidar os que devem. Mas a alcunha só pegou nos pobres, assim como a crença nos malefícios da mistura manga com leite.

Nunca se viu rico angustiado por não ter pagado uma ou outra dívida. Deixar pagamentos para depois é parte do dia-a-dia da administração financeira dos que têm dinheiro.

Não pagar contas pode até dificultar o crédito, o que pode ser bom, com os juros criminosos que andam por aí, mas falta de dinheiro e boleto em branco na gaveta não sujam o nome de ninguém.

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Habilidades III - os apertos


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Procurei. O nome é torquês, que deve ter relação com torque, que é o esforço de torcer, coisa que ela faz mesmo. Pra gente era turquesa. Era mulher. E eu que tinha plena certeza que era só um erro na denominação da nacionalidade da ferramenta! Esses dicionários!

Fazia estágio e me botaram na cola uma francesa recém-chegada. Formada.

Mostrando pra moça como se amarravam as armaduras, aquelas gaiolas de aço que ficam dentro do concreto armado, ouvi seu protesto, em português bem pior do que esse: "mas essa ferramenta é de corte, não serve pra apertar e torcer".

E como eu, surdo-mudo na língua de Obelix, ia lhe contar que já sabia? Que, com pouco aperto, servia pra puxar o arame, aproximar as peças e torcer? E que, com aperto maior, virava instrumento de corte e eliminava-se o excesso sem trocar de ferramenta?

Como contar praquela Falbalá, que nunca tinha pegado uma turquesa, que minha gente sabia usar os apertos certos nas horas certas?

Voltou pra França com a certeza de que, também por não saber usar ferramentas, os brasileiros eram um povo subdesenvolvido.

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(*) Foto: Luciana Garbellini e Mario Rui Feliciani

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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Obsolescência

A analogia é do Nelson Rodrigues, como sempre em uma grande frase:

"Uma das figuras obrigatórias desta coluna é a minha úlcera. Com o tempo, porém, criou-se entre mim e a ferida uma acomodação recíproca e total. Trato-a a pires de leite, como uma gata."

Hoje o gastroenterologista proíbe o leite pra sua úlcera.

E o veterinário, pra sua gata.

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

Método

O problema se põe assim: você tem duas paredes nuas e duas prateleiras, uma pra cada. Quatro mãos francesas, oito buchas e oito parafusos, portanto. Muita chance de pelo menos uma bucha ficar bamba, e dois parafusos por mão francesa não admite fracasso, é tudo ou nada, um solto e a prateleira não funciona.

Respire fundo e não deixe de dormir na véspera.

Se a parede for boa, de blocos fixados com cimento, parte do seu drama não existe.

Se for parede de tijolos assentados com barro, daquelas românticas, desista de cara, compre armários de chão, que a probabilidade de um ou dois dos oito furos acertarem um vão entre tijolos é enorme.

Se bem que paredes dessas quase não há mais. Só no mato.

Não seja afoito, furo em parede exige preliminares. Tenha duas brocas. Assim: se escolher bucha 8, fure primeiro com broca 5 ou 6, com a furadeira na posição de impacto, e só depois com a broca 8, desta vez sem impacto. O pré-furo garante que a bucha se encaixe justa no buraco. Sonho de uma noite de verão, não é? Foi meu pai quem me ensinou e ele sabia das coisas.

Na dúvida sobre a verticalidade ou a horizontalidade de uma reta, afaste-se, pare e olhe com os olhos. Se parece certo, está certo. Se alguma medida está certa, mas parecer errada, está errada. Ele me ensinou isso também.

Você tem duas paredes nuas e duas prateleiras e já conhece o procedimento para fixá-las.

É um bom princípio, mas onde vai colocá-las?

A certeza das posições das duas que faça tudo harmonioso é onde a porca torce o rabo.

Aposto que você vai errar. Pensar, depois de pronto, que 3 centímetros pra lá é que ficava bom.

Sofra sozinho, não conte pra ninguém.

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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Invenção


Não é bom ter as duas mãos ocupadas enquanto se anda.

Em dia de chuva, como alguém que use bengala pode dar sinal pro ônibus, ou acenar pra um amigo, ou coçar o nariz?

Com esse modelo é possível, já pedi patente e, desta vez, engordo a conta bancária.

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terça-feira, 11 de maio de 2010

Sr Dorival e o que não vou saber

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Era meu pai.

Cheio de ideias, dizia que a China jamais ia abolir o riquixá: "Se proibir, não vai ter emprego pra tanta gente", falava com grande gravidade, a que usava nos assuntos muito sérios.

Só o risco da tragédia do desemprego em massa justificava, pro seu espírito delicado, o descabido meio de transporte: uma pessoa que puxava, com sua própria força de tração, uma única outra, saudável, ou no máximo duas.

O que não lhe parecia certo era o uso dos músculos, pois não o incomodavam os taxistas ou mesmo os motoristas particulares, que também transportam um ou dois, mas dirigem máquinas. Ou talvez não atinasse com a semelhança.

Nunca vou saber.

Morreu sem conhecer os carrinheiros. Que teria pensado dessas pessoas que hoje puxam pequenas carroças com montanhas de recicláveis? Talvez não se importasse, pois recicláveis não têm consciência da desigualdade ali posta.

Nunca vou saber também.

Implacável essa tal de morte, que nos congela o espírito dos queridos.

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(*) imagem (belíssima) de que não conheço a autoria, da internet

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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Fiel vírgula

Não se trata do futebol, que esse o time não tem mesmo, mas do apelido.

Alcunhar a torcida do corinthians de fiel não foi um elogio, mas uma condenação.

Imagine um cara casado com uma dita-cuja que o trai com três vizinhos da rua, um dos quais aquele cunhado asqueroso que frequenta de bermuda florida os churrascos da família; gasta todo dinheiro do casal com bobagens, usando e abusando do cheque especial; e ainda maltrata as crianças.

Imaginou?

Agora imagine esse pobre coitado irremediavelmente destinado a ser fiel, não podendo sequer compartilhar os dengos de alguma mulher mais carinhosa que o incentive a procurar outra vida.

Não seria uma condenação?

- Fiel é p.q.p!

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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Pra Dona Ermesinda

Eu a perdi não faz muito. Era minha mãe.

Hoje me lembrei dela e pensei no excesso de broncas. Não as dela em mim, justas, afinal eu era filho, mas as minhas nela, invertidas.

Em uma época em que quase não "se passa sabão" (*) nas crianças ("tem que compreender os jovens", "os meninos têm razão", "os erros fazem parte do processo"), em um grande paradoxo, os jovens de 30, 40 ou 50 damos montanhas de pitos nos pais.

Os pais idosos só esperam de nós que falemos dos nossos erros e dos deles do jeito como falamos com os amigos, isentos de julgamentos, de conselhos e, principalmente, de broncas. Esperam que troquemos apenas, que nos relacionemos.

Bronca não é relacionamento, é de mão única.

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(*) Seu moço, quer saber, eu vou contar um baião / Minha história pra o senhor, seu moço, preste atenção

Eu vendia pirulito, arroz doce, mungunzá / Enquanto eu ia vender doce, meus colegas iam estudar / A minha mãe, tão pobrezinha, não podia me educar / A minha mãe, tão pobrezinha, não podia me educar

E quando era de noitinha, a meninada ia brincar / Vixe, como eu tinha inveja, de ver o Zezinho contar:

- O professor raiou comigo, porque eu não quis estudar
- O professor raiou comigo, porque eu não quis estudar

[...]

(Minha História, João do Vale)


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quinta-feira, 8 de abril de 2010

A língua é nossa

Dia desses uma manchete sobre a tragédia das enchentes no Rio dizia:

Risco de contaminação para busca manual em Niterói

Não se deve respeitar quem, arbitrariamente, nos impõe o absurdo.

Respeite a clareza, use o acento de “pára”.

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Truque digital

O título da postagem abaixo traz a expressão excessiva "da Arca de Noé" pra ver se o google pega e aumenta as visitas de quem busca temas bíblicos.

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Mentira da Arca de Noé

Se o ciúme é essencial no amor, como a Arca de Noé deu certo?

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sexta-feira, 12 de março de 2010

Habilidades II - o manobrista

Toda cidade grande, apertada, tem desses estacionamentos estreitos e compridos em que os carros ficam alinhados em três ou quatro fileiras muito longas.

A única ajuda que o manobrista recebe é uma dica sobre o tempo que o carro vai permanecer: “cerca de uma hora”; ou “devo demorar, sabe como são as filas do banco”; ou “só saio no fim do expediente, ainda bem que hoje é sexta”.

Vai ajeitando os carros como dá, imagina-se que com alguma intuição baseada nessas indicações vagas, mas sempre presos uns pelos outros.

A mágica é no momento da retirada.

Aquele que ia demorar sempre volta antes e seu carro está encravado três automóveis pra trás e dois pro lado. Já acha que não vai sair nunca, mas o manobrista move um ("por que esse que não tem nada a ver com o meu?"), move outro e, ao mover o terceiro, libera o veículo desejado, que já pode ser dirigido pelo freguês aliviado.

Campeão daquele jogo em que a gente tem que mover o mínimo de peças da frente pra soltar a do fundo.

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Cavalheiro da alegria

Tem só duas estrofes.(*)

Não é namorado, nem dançou com a moça ainda. Tá de chaveco, vai levá-la pra casa, deixar no portão e esperar "aquele beijo ao qual eu faço jus". Só por desejar, já faz jus.

Espera entrar, acender a luz da cozinha, apagar e abrir a janela do quarto, "boa noite, zé, té manhã se deus quiser".

Não há perigo, nenhum bandido escondido. Já pode ir embora com gosto de beijo. "Tá tudo legal" com ela.

O que tá legal coa gente é pruque cê dexô assim, João Rubinato.

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(*) Fica mais um pouco, amor - Adoniran Barbosa

Fica mais um pouco, amor / Que eu ainda não dancei com você / Somos quase vizinhos, fazemos o mesmo caminho, / Vamos, me dê sua mão / Quando o baile acabar, eu deixo você no seu portão.

Eu não vou pedir, mas se você quiser me dar / Aquele beijo, ao qual eu faço jus / Espero você entrar, acender e apagar a luz / Abrir a janela e me dizer: / "boa noite, zé, té manhã se deus quiser". / Tá tudo legal


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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Riscos do aprimoramento

Todos os praticantes de esportes de velocidade buscam maneiras de aprimorar a aerodinâmica: tiram pelos, usam malhas, capacetes em ponta, etc.

Daqui a pouco vão remover dos atletas a parcela menos aerodinâmica da anatomia masculina.

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

De novo, o errado melhor

Beju é melhor que beijo.

O "be", que explode de levinho, joga o "ju" em bico, num caminho só até a boca contraposta.

O "i" do beijo bota no meio uma estufamento da bochecha, que é um tropecinho no gesto.

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Mais caipira hoje

Hoje to mais caipira. Não tive escolha, morreu o Pena Branca.

Na voz (às vezes é uma) e nas vozes (às vezes são duas) dele e do irmão Xavantinho, que já foi, eu prefiro a Vaca Estrela e o Boi Fubá do Patativa do Assaré.

E por falar em estrela e caipira, não é bacana que o ovo seja estalado, já que estala, e estrelado, já que tem forma de estrela, e que estalado seja palavra parecida com estrelado, a ponto de uma parte das gentes, por um engano(?), juntar tudo num estralado?

Eh povo bão de poesia!

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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Todo santo dia?

Um leão a flechadas, ainda vá lá.

Mas as cinco hienas a dentadas não tá dando pra matar.

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Habilidades I – O chapeiro

Nas padarias, o balcão em volta da chapa fica cercado de fregueses criativos, cada um com seu sanduíche personalíssimo, e, do lado de dentro, três ou quatro atendentes esmerando-se para satisfazer sua urgência.

Ouvem o pedido e o repetem ao chapeiro.

Chapeiros não ouvem nada além das vozes dos atendentes. Ou, se ouvem e respondem a conversa de algum freguês conhecido, separam esses diálogos daqueles da chapa.

Cada pedido é dito uma única vez e memorizado na ordem de chegada. Se for esquecido, só se saberá quando o freguês estranhar a demora e pedir de novo. Caso seja freguês autêntico de padaria, pedirá com cordialidade, talvez alguma piada, pois sabe que raramente o chapeiro esquece.

O atendente não pode pedir duas vezes a mesma coisa, já que não há como diferenciar o reforço de outro pedido idêntico.

As mãos têm que ser hábeis, para a rapidez; talentosas, para o sabor; cuidadosas, para não se queimarem na chapa. E a memória, perfeita.

É linha de montagem de mãos e cachola.

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