sábado, 30 de julho de 2011

Desinfetante musical

Mais um dos defeitos da boa máquina que porta nosso eu, a sinapse musical nem sempre respeita o bom gosto. Musicas ruins grudam no cérebro da gente como visgo no pé de passarinho.

Nessas horas, o mais eficaz do mercado é o ANTISSÉPTICO CAYMMI.

Depois de cantar:

"A vizinha quando passa / com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / mas como a vizinha não há / ela mexe co'as cadeiras pra cá / ela mexe co'as cadeiras pra lá"; ou

"Minha jangada vai sair pro mar / vou trabalhar, meu bem querer / se Deus quiser quando eu voltar do mar / um peixe bom eu vou trazer"; ou ainda

"Rosa morena, onde vais morena rosa / co'essa rosa no cabelo e esse andar de moça prosa";

se a porcaria não desgrudar, só com cirurgia.

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segunda-feira, 25 de julho de 2011

João Bosco, um guri legal

Evito falar do que acabou de aparecer. Por isso, guardei esses comentários sobre o "Não vou pro céu, mas já não vivo no chão", que já tem uns anos e não teve o carinho que merece.

Como foi subamado, cabe agora defender o disco.

O João é um cara legal. Tem cara de violonista de república de estudante, meio moleque, meio pinguço. Você o vê, ele ri e toca seu som, que parece que só tem notas e ritmo.

Não que seja um letrista ruim. O “Na Onda que Balança tem boas letras dele próprio, mas tenho certeza que prefere fazer sua música, que não acaba quando compõe. Acaba no palco, junto com o violão, com a voz de percussão e aquela capacidade de lembrar letras impossíveis de se decorar e cantar sem gaguejar.

Pro João a música está sempre sendo composta.

Tem um filho que dizem que segurou o pai nesse "Não vou pro céu...". Brecou o pai dos excessos. "Pra valorizar suas grandes melodias", teria dito Francisco Bosco.

Sei não se é excesso, mas também ficou bom sem o dito excesso.

Francisco faz bonito nas letras. Algumas ótimas. E tem as do Aldir. Seja bem vindo. Bem retornado.

“Neguinho me vendo em quixeramobim / e eu andando de elefante em Bombaim”.

Quixeramobim e Bombaim! O resto nem interessa. Interessa Quixeramobim e Bombaim. Assim é feito o Aldir, com palavras que vão colar na música e na voz do João, que vai compô-las e recompô-las muitas vezes.

Assim é o João.

Só quem viu, tava no youtube e saiu, pode saber o que foi o Yamandu tocando Linha de Passe com o Bosco. É uma dessas músicas em que a letra parece só estar lá pra fazer o batuque na voz do João. “Naco de tatu lingüiça e paio e belzebu...”. E o Yamandu, exuberante, e o João tocando e a voz e o Yamandu correndo atrás e depois na frente e os dois naquela molecagem. “Cachaça com angu / rabo de saia ... e bolo de fubá barriga dágua. A letra (que tem que ser dura nas outras sílabas) quando tem que ser mole, quando tem que esticar, o João diz sssaaaiiiaa... dáaaagua...

Vai assim até que o Yamandu, que nem tem cara de sambista, dispara num crescendo que não se acompanha e o João pára de tocar e olha pro rapaz e diz “vai guri, fala guri, dá-lhe guri, vai guriiii”.

Breque. Pula agora do Youtube de volta pro disco.

Em Tanajura, uma das canções com letra do Francisco de "Não vou pro céu...", tem um "eu bobo, babo e caio" . Quando escreveu esse, o filho, que diz-que conteve o excesso do pai, se soltou, riu e pensou:

"esse verso só o maluco do velho vai saber cantar"

Seja o filho bom letrista, que fala na Tanajura, seja o garoto grande instrumentista, que arrebenta na Linha de Passe, os guris vão sempre saber falar empurrados por ele, porque o João sabe de guri. O João nunca deixou de ser guri. Ave João, ave guri.

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Jabuticaba

Diz que é brasileira. Vou acreditar. É deliciosa.

Contam que, dada a uma princesa estrangeira, a mulher fez cara feia quando explodiu na boca. Assustou.

Como é boa e só nossa, virou sinônimo meio pejorativo do que é invencionice do Brasil, insistência em reinventar a roda. Expressão de uma gente que não gosta de seu povo. Como se não pudéssemos inventar e como se a roda não tivesse que ser reinventada de vez em quando.

Tolos à parte, os que plantavam diziam que "quem planta não colhe". Nativa profunda, demora a produzir. Exige muita elaboração, muita seiva corrida pra ser apreciada, o que não se dá do dia pra noite. Frutifica no tronco e NA RAIZ. É como um samba do Nelson Cavaquinho.

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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Solidários 3

Nunca fumei. Experimentei, não gostei e fiquei nos outros vícios. Poucos. Dizem que não insisti o suficiente no desprazer inicial.

Que intimidade têm os fumantes! Duas pessoas fumam juntas e algo as une além da reles humanidade. Olham-se no meio da fumaça quase tão cúmplices quanto os amantes sobre a nudez.

E tem a solidariedade com o “sem cigarro”.

Qualquer um que coma sanduíches em mesa de calçada, de vez em quando nega comida ao pedinte. Não tem jeito, eles são muitos. Mas quem tem um maço na mesa nunca recusa um cigarro a quem quer que seja, mesmo o penúltimo. Nem fogo.

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domingo, 10 de julho de 2011

Tomara

Andava com o olhar do que conhece, mas estranha.

- É aqui a Rua Maria Antonia?

- Essa mesma.

- Tem uma doceria, a "L...", nesta rua?

- Tem sim, era aqui, mudou, mas fica logo ali.

Os pés não saíram do chão, que a idade já não permitia, mas deu um pulinho, que se viu nos ombros e braços vibrados, no sorriso salivado, e nos olhos, que chisparam gula.

- Ai que bom! faz mais de quarenta anos que não venho.

Os donos não são os mesmos, "sob nova administração" se botou mais de uma vez até virar franquia, mas tomara que o doce faça justiça a tanta saudade.

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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Penas e pernas

Há um esforço pra diminuir a prisão, as penas ditas privativas de liberdade.

Como o mundo NÃO SE CONFORMA em não punir, criaram as penas privativas de direito, que servem também como substitutas da prisão preventiva.

Um dos direitos de que o safado-canalha-fdp-torpe do delinquente-indivíduo-marginal pode ser privado é o de frequentar certos lugares.

Que lugares?

"ah, bota aí bares e casas de prostituição"

"Zona, excelência?"

"Isso, mas não vai escrever zona, né?"

"Mas tem um artigo de uma lei aí que fala de lugares que incentivam a praticar os crimes"

"Pois é, na zona"

"Mas, excelência, ele é estelionatário. Não sera melhor proibir o dito de ir ao banco, à bolsa de valores ou a algumas igrejas?"

"Não me dá trabalho, escreve casa de prostituição"

"Mas ele é feio, excelência. Não arruma namorada, ainda mais com a fama que vai ter agora. Na casa da Nadir, tem a Ritinha que cobra pouco dele, parece que enrabichou."

"Não vai acabar essa ladainha?"

"Mas, excelência, se sacudindo nas coxas da Ritinha ele vai ficar mais meigo, não vai pensar em bobagem, querer enganar ninguém. O Sr. conhece as pernas da Ritinha? puxa! é a filha da Dona Ludovica."

"Da Ludovica, é? !..."

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PS: Um amigo me perguntou se isso aí em cima acontece.

Essa brincadeira veio de uma notícia que recebi do clipping da Associação dos Advogados:

"Em São Paulo, um homem preso sob a acusação de PORTAR UM CARTÃO DE CRÉDITO ROUBADO foi solto anteontem após assinar termo se comprometendo a não ir a bares e casas de prostituição. Réu primário, ele foi indiciado sob suspeita de receptação."

Será que roubam muito cartão de crédito na zona? Pensando bem, até pode ser: o cara joga a calça longe, o cartão cai e o delinquente pega.

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segunda-feira, 4 de julho de 2011

Bem que podia ser verdade

Ouvi uma vez, parece que do Érico Veríssimo, que o sotaque tem relação com o que se come. Por isso, o nordestino, que come farinha misturada no feijão e outros líquidos, tem a fala pastosa; e o gaúcho, que come muita carne, mastiga as sílabas com firmeza.

Pode não ser verdade, mas é bonito.

Não tinha escada rolante na minha cidade. Meu pai voltou de Brasília, onde tinha ido tratar de coisas da diretoria da Associação de Ferroviários, dizendo que tinha lá um monte de gente de braços e pernas engessadas. "É que tem muita escada rolante, filho. Aquilo pára, o sujeito vai descer a pé, a força volta de repente e ele cai e quebra a perna".

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