sábado, 20 de dezembro de 2008

Ciência


















Ele sabe que tem olho amarelo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Cartões

Dia desses, um senhor em um banheiro público me pediu um cartão telefônico que tivesse uma ou duas ligações.

Disse-lhe que não tinha nenhum.

- Antes, quando a gente ligava com ficha, eu podia comprar só umas duas pra ligar pra casa. Era baratinho. Agora o cartão tem muitas ligações, é caro e eu tenho que ficar pedindo.

Nem tudo que parece boa idéia é bom para todos.

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sábado, 27 de setembro de 2008

A cada um o que é seu

Consta que Newton era um sujeito introspectivo, capaz de passar horas concentrado, ensimesmado. "Não sou mais inteligente do que ninguém, apenas sei pensar com calma", fala a lenda que dizia de si mesmo.

É quase certo que um britânico assim tivesse um gato, ou mais do que um, e quem tem gatos sabe como eles empurram moedas ou qualquer coisa solta só pelo prazer de vê-las cair.

E com que interesse observam a queda, em cada uma de suas fases: o escorregar na superfície, a perda do apoio, a trajetória descendente e acelerada, o barulho do choque e o quicar no chão até a parada final. E ainda gastam mais alguns segundos pra confirmar a imobilidade.

E foi assim. Não foi a maçã, mas a moeda que o bichano-laboratorista empurrou da mesa da sala que inspirou o físico. Sob a supervisão do gato.

O resto foi só equação.

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quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Crescer

Em um dia infernal, escorraçado pela tristeza do trabalho, corri pra um almoço em padaria. Como a Estrela do Butantã estava lotada, um senhor me pediu um cantinho da mesa. "Claro!".

Ele comia uma costelinha esturricada que, apertada entre o garfo e a faca, pimba pra fora do prato! "Desculpe!"

"Que nada! Eu sempre derrubo tudo. Minha mãe, quando eu era criança, me proibiu de vestir uniforme antes do café. - 'Estou cansada de lavar uniforme sujo de café com leite'... continuo o mesmo, não mudei nada".

Riu: "e nós crescemos?"

Puxa!... Isso lá é pergunta que se faça?

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quarta-feira, 2 de julho de 2008

Tônicas

Moleque rueiro ainda, já sofria as dores das regras da acentuação pátria.

Seu nome, Mario, constava na certidão sem o sinal da certeza da tônica. Parecia-lhe até que o gênero garantia a pronúncia, pois pouco importava se terminado com “o” ou “a”, o sexo lhe vinha pela sílaba forte, que, se no “i”, caberia à Virgem.

Mas da rua vai-se à escola e Dona Doroty - porque com “y” se não tinha mais “y” no abecedário? ele e o pai enlouqueciam com essas faltas de rigor – lhe ensinou que as paroxítonas terminadas em ditongos crescentes recebiam acento. Só depois concordaria com as regras de acentuação que garantiam relações biunívocas entre grafia e pronúncia, mas só quando aprendeu o significado de “biunívoca”.

No dia em que a adorável, mas exata, Dona Doroty ensinou a regra, ergueu o braço e mandou: “no meu nome não tem acento! o moço do cartório escreveu assim no documento”.

Três broncas imediatas: “no seu nome não acento, que eu já ensinei o verbo haver para vocês; evite rimar fora da poesia, como em ‘acento’ e ‘documento’; e não é porque um funcionário ignorante um dia errou seu nome que para sempre você vai errar também”.

Sabia que as duas primeiras eram insignificantes, mas o efeito da terceira bronca foi devastador. Desde então, toda vez que escreve o próprio nome, oscila como o pêndulo do relógio-cuco da avó: “obedeço ao cartório ou à Dona Doroty?”

(pro pessoal do Mecânicos de Guarda-Chuva, com um abraço)

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terça-feira, 24 de junho de 2008

Misturas


Se a pintura é conto, a foto é frase e o tripé um excesso que lhe põe três adjetivos de tropeço.

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Imodéstia de mestre-cuca

Definição do "Pequeno Dicionário Livre da Vida Brasileira":

COZINHEIRO - 1) pessoa que prepara, profissional ou amadoristicamente, delícias para o próprio paladar e para o dos outros; 2) pessoa meticulosa nos pormenores da sua atividade, que valoriza o processo acima do resultado; 3) pessoa imodesta.

Alguma modéstia sempre há na atitude de todos os profissionais, exceto nos da cozinha: "este prato que fiz está uma delícia", sempre dizem com olhar orgulhoso, ao levar à mesa.

Há quem diga que a vaidade é aparente e o auto-elogio se deve, na verdade, ao supremo desprendimento de atribuir aos ingredientes todo o mérito do resultado.

Sei não.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Vergonhas

Sentimento estranho a vergonha.

Além da justa vergonha dos erros que cometemos, ela também se apresenta em situações ilógicas: na constatação de nossa fragilidade; ao sermos vítima da esperteza alheia; e, supra-sumo do culto ao sucesso, diante do testemunho, por vezes íntimo, de nossos sofrimentos pretéritos.

Meus pais foram crianças pobres e adultos um pouco menos.

Nunca se esqueceram, e acho que realimentaram, a vergonha de não terem usado sapatos, ou das antigas roupas remendadas, ou dos pratos pouco nutritivos dos primeiros anos.

Porém nunca pediram.

Mesmo para os que eventualmente saiam dessa situação mais precária, que efeito causará aos futuros adultos terem, na infância, pedido esmolas pelas ruas da cidade?

sábado, 17 de maio de 2008

Escondidos nas supermáquinas

A televisão americana produziu e produz muitas séries interessantes. Bem escritas, divertidas, ótimos atores, ótima luz, ótimo ritmo, esse gênero da televisão deles é (dezenas de vezes) melhor do que a nossa auto-adulada produção.

Mas também existem péssimas e uma das piores era a supermáquina.

Era um carro idiota que andava sozinho ou guiado por um rapaz que não precisava de capacete, pois seu penteado esférico já cumpria a função. Como os inimigos não podiam saber se havia ou não motorista ao volante, os vidros tinham que ser escuros para quem olhava de fora.

Preta na pintura e nos vidros, a supermáquina era ridícula e implacável.

Exatamente como os carros com insulfilmes que circulam agora. Há um limite legal para a opacidade dos vidros, mas ninguém o observa e acho que ninguém multa, já que continuam completamente negros.

Pedestres nunca sabem se os motoristas (que deve haver lá dentro) os estão vendo. Os guardas do trânsito não sabem se o que guia está tagarelando no celular. A polícia nem sabe se há um passageiro amordaçado e amarrado por um seqüestro.

Não se pode mais pedir a vez, nem agradecer uma gentileza, nem perguntar um caminho, pois ninguém é idiota para falar com um carro que anda sozinho.

A única vantagem é que ninguém briga com um motorista inexistente.

domingo, 4 de maio de 2008

Proposta de bandeira



Quem há de negar que tirar o amarelo é bom?: (quem pintou a bandeira brasileira / que tinha tanto lápis de cor) (*)

O ordem e progresso ninguém agüenta. Nem a faixa branca.

A estrelinha azul no verde bota uma dúvida entre floresta e mar:
um pequenino grão de areia / que era um pobre sonhador / olhando o céu viu uma estrela / e imaginou coisas de amor [...] se houve ou se não houve / alguma coisa entre eles dois / ninguém soube até hoje explicar, / o que há de verdade / é que depois, muito depois, / apareceu a estrela do mar. (**)

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(*) Almanaque de Chico Buarque
(**) Estrela do Mar de Marino Pinto e Paulo Soledade

sábado, 3 de maio de 2008

Sofre antecipado

Meu pai dizia que quem sofre por antecipação sofre duas vezes.

Discordo em parte (e isso é raro). Um pouco mais otimista, quem sofre antecipado sofre uma vez a mais: sofre duas vezes se, de fato, sofrer depois; mas sofre uma única vez, se a sorte lhe sorrir.

Quando, aos 18, peguei pela primeira vez a bandeja do refeitório da faculdade, logo agourei: "quando será que vou derrubar esse negócio?"

Tenho hoje 48 e só a derrubei na semana passada.

Trinta anos depois.

Ave Dorival Feliciani.

sábado, 26 de abril de 2008

Coisas que não mudam

Uma das dificuldades de ser brasileiro (dizia o Tom que o Brasil não é país para principiantes) é a sensação de que vários problemas fundamentais se perpetuam.

Quando o Chico fez a letra de Pivete para a música do Francis, ela tinha esse verso: "Agora ele se chama Emersôn" (a tônica caía assim, no final do nome do corredor, em uma licença poética de mpb).

Anos se passaram, a música foi regravada com um acréscimo ("ahhh, monsier have money pra manjar?") e o campeão foi trocado: "Agora ele se chama Ayrtôn".

Veio outro campeão e nada mudou, só a música.

E não foi só um. Houve um campeão entre os dois (Nelsôn), que nem foi citado. Três hiper-vencedores de fórmula 1 e os pivetes continuam os mesmos pivetes.

sábado, 5 de abril de 2008

Coisas de que me lembro sem usar os neurônios ou Os sentidos


1) O cheiro da cama de meus pais, quando me aceitavam entre eles logo pela manhã.

2) O paladar da pizza de pizzaria, tão distinto de tudo o que conhecia, por causa do azeite inexistente na mesa de nossa casa.

3) Os sons de Volta por Cima, que até hoje não sei onde guarda tanto encanto.

4) A sensação da firmeza da primeira cintura de moça na dança de garagem, pobre ignorante, um de três irmãos homens.

5) Os profetas do Aleijadinho contra o céu azul, de se cortar com faca, de Congonhas do Campo.

Comunicação impossível

Certa vez me disseram: visitei sua cidade e não gostei nada, lá o sol nasce do lado errado.

Desde então, sei que as pessoas apenas acham que se comunicam.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Didatismo


Esta fiz faz tempo.

O profissional descobriu, depois do fracasso da primeira placa, que ser didático é melhor para os negócios. Mesmo com letra feia.

E ainda há quem duvide das notas de rodapé.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Deixa pra lá

Disse-me o segundo colocado que a pessoa mais inteligente do mundo parece que é de Minas Gerias, fica de cócoras, pitando, se mulher, ou mascando capim, se homem, e vira-e-mexe pensa:

- Puxa que idéia boa! Nessa Freud [ou Einstein, ou Picasso, ou Weber] não pensou. Tsc, bobagem, deixa pra lá, vou contar pra ninguém não.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Chuvas

No tempo da minha infância, éramos amigos de um guarda-chuveiro. Consertava varetas e trocava panos o Seu Antônio (eu-menino nunca compreendi por que aquele pano não se encharcava todo). Hoje em dia, mal a garoa nos surpreende, alguém oferece um guarda-chuva novo, por cinco reais ou menos. Talvez este, que vive com pouco, seja um dos últimos da sua profissão.

(foto da série "... e um pouco das pessoas")
http://mario.rui.sites.uol.com.br

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Galinha de cascata



Nossa gente gaiata lhe deu os nomes de frango de cambalhota, televisão de cachorro e vários outros assim saborosos.

Lanço também o meu: galinha de cascata.

Pois a energia das grandes cascatas construídas das Itaipus e Sobradinhos não gira as aves que recebem, cada qual da de cima, o sumo que cascateia pelas asas e coxas esperneadas? Sumo-segredo, azedinho de salivar!

Sumo-segredo dos marketeiros de padaria, programadores da televisão irresistível aos cachorros de todas as espécies, de qualquer número de pernas.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

E os analfabetos que escutam?

O aviso da tevê que diz "este o programa é impróprio para menores de XX anos" é mudo, só escrito (em fundo preto para os de 18, cor das lingeries!)

Se é apenas escrito, silencioso, pra que serve a pessoinha ali à direita, gesticulando a linguagem de sinais? Linguagem de sinais serve para substituir sons, coisa que ali não há.

Com boa vontade, pode se atribuir o filminho a uma demonstração de grande cuidado, pois desta maneira foram incluídos os analfabetos surdos, mas também sinal de grande escorregão, já que foram excluídos os analfabetos que escutam.

Mas como não nascemos ontem, de duas uma: ou os profissionais de tevê são tolos; ou os programadores pensam que as palavras DROGAS, VIOLÊNCIA e SEXO, ditas em alto e bom som, são de mau gosto ou, ainda pior, ruins para o IBOPE.

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PS: A opção pelo aviso mudo também tirou dos pais cegos o direito de saber a que tipo de programa seus filhos assistem.

Só com varinha de condão.

São Paulo tem rodízio e tem zona azul.

Vem o pobre do desavisado, no dia de seu rodízio, e bota dois cartões pra estacionar às 4 da tarde.

Às 6 da tarde, volta esbaforido pra tirar o fusca dali, pois os cartões venceram (não basta pôr outro cartão, tem que mudar o carro de lugar! veja lá na lei), mas não pode mover o dito-cujo, por causa do rodízio.

TEM QUE TIRAR e NÃO PODE TIRAR o carro. É a versão moderna do “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

Não tem jeito: o fusca tem que sumir.