terça-feira, 28 de junho de 2011

Palavras de homem grande

Quando era menino, achava os nomes dos padrões e cores de cavalo palavras de homem grande: alasão, baio, palomino, tordilho e outros que esqueci. Menos pampa, que era palavra engraçada, meio que uma palhaçada.

Ele é malhado, o pampa. É mesmo um pouco palhaço.

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domingo, 26 de junho de 2011

Solidários 2

O brasileiro também é solidário pra ensinar o caminho. Mesmo que não saiba. O motorista já percebeu que o inquirido está em dúvida, que o que ele disser em nada vai ajudar, mas é obrigado a ficar esperando o final das instruções cheias de “talvez” e “não sei bem”, que agravam ainda mais a hora tão perdida quanto o norte.

Há também os que sabem a direção, mas não sabem descrever. “Você vai por essa rua e entra três travessas ANTES da avenida”. Ora, se o pobre não conhece a região, como vai saber que faltam três travessas para chegar a uma avenida que também não sabe onde é?

No Rio uma referência charmosa e inútil é o aterro, palavra lindamente pronunciada pelos cariocas. “Onde fica tal rua, moço?”. “É fácil, você vai por aqui e, quando chegar no atieerro, vira na segunda rua”. O forasteiro segue a dica, mas não há única placa dizendo “você está SOBRE o aterro” e vai longe, sem que nunca apareça o tal monte de terra.

Nesse caso vale a pena: é bom prejuízo se perder numa cidade tão bonita.

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Solidários 1

Parodiando o Nelson: “o brasileiro só é solidário na porta do carro aberta”.

Basta que a porta do automóvel esteja mal fechada, naquele estágio em que fica uma fresta, embora esteja presa, pros os outros carros perseguirem o ameaçado e os ocupantes se esgoelarem avisando, como se fosse um grande risco.

Na verdade não deve ser perigoso. É muito raro uma porta abrir, já que o movimento do carro pra frente tende a fechá-la. A menos, é claro, que você ainda seja um feliz proprietário de uma decavê.

De qualquer forma, todo mundo avisa, o descuidado agradece e a solidariedade do dia está garantida.

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quinta-feira, 16 de junho de 2011

De graça, claro

Um serviço público pode ser sustentado por impostos (destinação não específica, o bolo do Estado) ou taxa/preço público (específico para pagar esse ou aquele serviço).

De qualquer forma tudo sai do bolso das pessoas. O Estado não produz dinheiro, administra o nosso.

A manutenção das ruas, a luz que faz funcionar o semáforo, a limpeza das bocas-de-lobo e muitos outros serviços são custeados por impostos. Todos pagam, independente de ter ou não um bueiro na frente de casa ou um sinaleiro na esquina.

Os ônibus, metrô e trens que funcionam na cidade também deviam ser assim. Serviços públicos (e são públicos, no máximo concessões) sustentados por impostos de todos e não por quem usa.

Na hora do uso não haveria catraca. Claro que há sempre alguém que diga que isso incentivaria o uso excessivo do transporte público, como se fosse muito divertido passear em ônibus lotado, parado na avenida. Caso um ou outro aposentado tivesse esse hobby estranho, outro serviço público estaria sendo prestado, já que os bingos foram fechados.

O fato é que todos pagarem igualmente pelo transporte coletivo de todos seria mais justo, pois alguém mora longe PORQUE o outro mora perto.

Cobrar mais de quem mora longe é como cobrar, na conta do condomínio, uma taxa de elevador maior dos moradores dos andares mais altos - um absurdo completo.

O bilhete único foi avanço, mas ainda dá pra ir além.

O critério é simples: deve ser mantido por impostos tudo o que é condição de funcionamento da cidade.

E o transporte público é condição de funcionamento.

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Futebol

O homem era da roça e veio com filhos pequenos. Dois daqueles garotos rosados, fortes, calados como as gentes do mato. Parece que zelar pela planta que cresce incentiva o silêncio.

Falastrão, fiz que fiz e os meninos não diziam palavra. Perguntei de plantas, da antiga cidade, da escola e nada de resposta. Um abismo nos separava.

Por fim, mandei o comentário do jogo da véspera:

- [...] porque vocês são corinthianos, logo se vê.

Foi uma grita geral. Soltaram o verbo.

- De jeito nenhum, a gente é do Palmeiras! eh, pai, ele ta falando que a gente é do Corinthians, eh time ruim! deus me livre!

Importante esse tal de futebol.

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Capitais insuficientes

Eram sete os pecados capitais: gula, preguiça, luxúria, vaidade, ira, inveja e avareza. A lista variou ao longo dos séculos, mas pouco.

Coisa do passado, nenhum deles permanece pecado. Ao contrário, são louvados e incentivados, principalmente a vaidade e a prima da avareza, a cobiça.

Nunca o Jamie Oliver ou a Probel, há quem torça o nariz para a gula e preguiça, mas pelo mal que fazem ao que peca. Nada de pensar no próximo.

Até se pode dizer que, compondo alguns dos sete, há outros camuflados. De qualquer forma, talvez por que o legislador os praticasse sempre, a crueldade e a injustiça nunca foram pecados.

Fez falta.

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De novo a capucheta

Diz que saiu na imprensa que "empinar capucheta" é expressão da Moóca. Pode ser, mas também é da minha cidade - Jundiaí.

Chamem o Harri Lorenzi! Esse maravilhoso agrônomo faz ótimo enfoque das diferenças regionais: nunca diz que um ou outro nome que uma árvore recebe nos lugares onde cresce é superior. Todos são listados em ordem alfabética. Minha cidade, que é especialmente exótica nas denominações, agradece.

Mas faz tempo que não estranho que a Zona Leste, assim como o ABC, use expressões iguais às jundiaienses (quantas vogais, não?).

Só percebi a semelhança tempos depois de vir pra cá. Em Pinheiros, onde morava pra estudar, naquele tempo era barato, tudo era diferente. Eu era estrangeiro. Quando conheci o pessoal da Zona Leste, me senti em casa! As nossas expressões, palavras estranhas, tudo.

Tenho uma teoria, dessas que são boas pra algum estudioso refutar.

A estrada de ferro aproximou os dois lugares! a Zona Leste e o ABC são mais íntimos de Jundiaí do que da Zona Oeste, por causa da estrada de ferro Santos a Jundiaí. Os operários trabalhavam nos dois lugares.

Eram mais quilômetros, mas menos horas.

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PS: Cabe aqui um pedido de desculpas pra quem lê de longe (internet é que nem estrada de ferro). Esse comentário é um grito regional!

Um glossário ajuda: Moóca e Pinheiros são bairros de São Paulo; Zona Leste e Oeste, regiões da capital; e Jundiaí é uma cidade que fica a menos de uma hora de distância, ponta de uma estrada de ferro histórica que passa por Sampa, a "Santos a Jundiaí", que ainda funciona, mas não desce mais a serra.

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domingo, 5 de junho de 2011

Moisés e o deserto

Diz que Moisés errou por 40 anos no deserto porque homem nunca pergunta o caminho. Não devia ter muitos solícitos parados na areia quente pra perguntar, mas piada é sempre injusta.

Ara, claro que a gente não pergunta! Por séculos nos ensinaram que pedir ajuda é coisa de mulher, da vida privada, do afeto, e que homem tem que se virar sozinho, cuidar da vida pública, da competição.

Agora as coisas vão se equilibrando, mas foi muito o tempo do cachimbo. Demora pra desentortar a boca.

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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Palavras bem postas

Pessoas de antigamente, de pouca escola, tinham um domínio da língua que muitos não temos hoje.

Com um sorriso maroto, minha tia-avó citava o pai, que nem tinha completado os quatro anos do primário, pra protestar contra as mulheres que se diziam gordas por neura feminina:

- Tu és gorda como um bacalhau no rabo.

Frase genial, de causar inveja aos melhores publicitários (eles existem!). De uma só cajadada, meu bisavô comparava a moça à coisa mais magra que existe, o rabo do bacalhau, e mandava que a vaidosa deixasse de ser boba e metesse um bacalhau no rabo.

O outro dito era da minha mãe. Quando a gente pensava demais e enrolava pra fazer o que tinha que ser feito, ela dizia impaciente:

- Vamos cuidar da vida que a morte é certa.

Menino, eu não entendia. "Certo" na nossa casa era apenas o antônimo de "errado". Não tinha o significado de pronto, do que não tem o que cuidar ou aprimorar, por acabado.

Um primor.

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