sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Maria dos Pacotes

Na minha cidade era Maria dos Pacotes. Parece que há em outras.

Moradora de rua, eu nunca soube onde passava as noites, ou se era no mesmo lugar uma após outra. Não acreditava que fosse. Não havia por quê, pois todas suas coisas iam em trouxas nela enganchadas.

Trouxas penduradas em papel amarrado com barbante daqueles grossos, que vinham enrolados, geométricos, em tubos de papelão, e, depois do último nó, um laço grande, alça para um ou outro ombro, uma ou outra mão.

Muitas trouxas.

Passava e não nos olhava brincando na rua. Meninos rueiros. Eu pensava quais as roupas ou detalhes femininos iriam naqueles pacotes, mas não perguntava ou tentava saber.

Um dia um menino disse que viu. Talvez tenha arrancado dela uma das trouxas, talvez batido na mulher, os meninos são rudes, ou eram, talvez não o sejam mais, talvez o sejam ainda mais. Mas disse que viu e eram papéis apertados, amarrotados, inúteis.

Pasmei, na minha meninice: “então não é nada, é só peso; ela nada tem, a vantagem de nada ter é andar livre das cargas, mas a Maria dos Pacotes tem que levar algo duro de carregar”.

Hoje quero crer que fechar o pacote mudava o papel velho em rica seda. Como na cena de “A Bela e a Fera”, de Jean Cocteau, em que as roupas simples da Bela se tornam lindo vestido ao passar, carregada, pela porta do quarto.

Se era assim, quando o moleque abriu o pacote as sedas voltaram a papel? a crueldade da molecagem foi ainda mais dolorosa?

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