terça-feira, 27 de setembro de 2011

A morte e a morte da carta

A primeira morte da carta nem sei direito por que se deu. Talvez por causa do telefone, aos poucos o correio passou a enviar apenas contas e malas diretas.

Eu mantinha um único correspondente. Escrevia pra um amigo em letra de mão, com tinteiro, e ele respondia na Remington, que sua letra ninguém lia, ainda mais rabiscada naquele traço de lápis apenas sugerido, como os esboços que ele faz pra pintar.

Quebrou-se a Remington, ele parou de escrever, passamos a nos falar mais amiúde na praça, e minha balança de pesar cartas continua lá, pendurada mas aposentada, empoeirando.

Coincidência ou não, tiraram também a caixa de correio da esquina, pode-se imaginar a razão: "ufa, até que enfim esse Mario parou de escrever! tirem a caixa".

Nasceu então o e-mail. Renasceu a carta. A carta com tecnologia. Uma beleza, se podia escrever pra um grupo de amigos, bem selecionados, conforme o tema e o coração, e ficar naquela troca de respostas por dias. Era a carta turbinada.

Mas, se tem um defeito grave na tecnologia, é que ela evolui depressa demais.

Nasceu o fac(m)e-book. O e-mail turbinado. A carta turbinada ao quadrado. Os amigos, antes selecionados, agora proliferam como bactéria em maionese. Enviam-se convites de amizades como aqueles meninos de pátio de recreio que corriam e propunham: "você quer ser meu amigo?". Sem critério além do da proximidade. Critério para a amizade é coisa que se conquista com a vivência.

Todos dizem que é outro o objetivo, que a rede social é importante para as trocas, principalmente profissionais. Pode ser, mas o e-mail morreu. Agora no fam(c)e-book a gente escreve pra uma grande pessoa jurídica, sem rosto: os amigos(?) de mim.

É a segunda morte da carta.

Inútil lamentar, a tecnologia não tem caminho de volta. Sempre pra frente, por isso às vezes encalha no mata-burro.

Sei que fui castigado pela infidelidade, mas vou atrás do perdão. Alguém há de consertar Remingtons, a poeira pouca imprecisão deve ter botado na balança e ainda tenho os selos. Só falta a caixa de correio da esquina e vou ter que pegar o carro. Quem sabe entrego as cartas em mãos.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Viva a tecnologia, que permite que os seus textos cheguem a tanta gente, inclusive a mim, que de outra forma não teria acesso a eles. Só isso já compensa todo o resto. Grande abraço!

MARIO RUI FELICIANI disse...

Obrigado e outro grande abraço.