A primeira morte da carta nem sei direito por que se deu. Talvez por causa do telefone, aos poucos o correio passou a enviar apenas contas e malas diretas.
Eu mantinha um único correspondente. Escrevia pra um amigo em letra de mão, com tinteiro, e ele respondia na Remington, que sua letra ninguém lia, ainda mais rabiscada naquele traço de lápis apenas sugerido, como os esboços que ele faz pra pintar.
Quebrou-se a Remington, ele parou de escrever, passamos a nos falar mais amiúde na praça, e minha balança de pesar cartas continua lá, pendurada mas aposentada, empoeirando.
Coincidência ou não, tiraram também a caixa de correio da esquina, pode-se imaginar a razão: "ufa, até que enfim esse Mario parou de escrever! tirem a caixa".
Nasceu então o e-mail. Renasceu a carta. A carta com tecnologia. Uma beleza, se podia escrever pra um grupo de amigos, bem selecionados, conforme o tema e o coração, e ficar naquela troca de respostas por dias. Era a carta turbinada.
Mas, se tem um defeito grave na tecnologia, é que ela evolui depressa demais.
Nasceu o fac(m)e-book. O e-mail turbinado. A carta turbinada ao quadrado. Os amigos, antes selecionados, agora proliferam como bactéria em maionese. Enviam-se convites de amizades como aqueles meninos de pátio de recreio que corriam e propunham: "você quer ser meu amigo?". Sem critério além do da proximidade. Critério para a amizade é coisa que se conquista com a vivência.
Todos dizem que é outro o objetivo, que a rede social é importante para as trocas, principalmente profissionais. Pode ser, mas o e-mail morreu. Agora no fam(c)e-book a gente escreve pra uma grande pessoa jurídica, sem rosto: os amigos(?) de mim.
É a segunda morte da carta.
Inútil lamentar, a tecnologia não tem caminho de volta. Sempre pra frente, por isso às vezes encalha no mata-burro.
Sei que fui castigado pela infidelidade, mas vou atrás do perdão. Alguém há de consertar Remingtons, a poeira pouca imprecisão deve ter botado na balança e ainda tenho os selos. Só falta a caixa de correio da esquina e vou ter que pegar o carro. Quem sabe entrego as cartas em mãos.
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terça-feira, 27 de setembro de 2011
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Saudosa Maloca e Minha história
Os dois são artistas realmente populares.
"Saudosa maloca" (*) e "Minha história" (**) começam do mesmo jeito:
"se o senhor não ta lembrado / dá licença de contá"
e
"seu moço qué sabê / eu vou contá num baião"
Na Saudosa Maloca o narrador não é o próprio Adoniran, mas um dos despejados do trio feito do revolucionário (que grita), do legalista (os home tão com a razão) e do religioso (o frio conforme o cobertor). Na Minha História é o João que fala da própria infância de vender pirulito, mas pra lembrar a dos outros realmente desprovidos (mas o negócio não é bem eu, é mané, pedro e romão, que também foi meus colega e continua no sertão, não pudero estudá e nem sabe faze baião).
Alguém devia cantar uma coladinha na outra. Voto no Paulinho da Viola. Quem sabe trançando os versos das duas no final. Pra isso servem os intérpretes.
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(*) Saudosa Maloca - Adoniran Barbosa
(**) Minha História - Raimundo Evangelista e João do Vale
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"Saudosa maloca" (*) e "Minha história" (**) começam do mesmo jeito:
"se o senhor não ta lembrado / dá licença de contá"
e
"seu moço qué sabê / eu vou contá num baião"
Na Saudosa Maloca o narrador não é o próprio Adoniran, mas um dos despejados do trio feito do revolucionário (que grita), do legalista (os home tão com a razão) e do religioso (o frio conforme o cobertor). Na Minha História é o João que fala da própria infância de vender pirulito, mas pra lembrar a dos outros realmente desprovidos (mas o negócio não é bem eu, é mané, pedro e romão, que também foi meus colega e continua no sertão, não pudero estudá e nem sabe faze baião).
Alguém devia cantar uma coladinha na outra. Voto no Paulinho da Viola. Quem sabe trançando os versos das duas no final. Pra isso servem os intérpretes.
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(*) Saudosa Maloca - Adoniran Barbosa
(**) Minha História - Raimundo Evangelista e João do Vale
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terça-feira, 13 de setembro de 2011
Pérolas campesinas
Dois caipiras pescam na beira do rio.
De repente, passa um elefante voando. Eles olham e não dizem nada.
Outro elefante passa voando. Nem uma palavra.
Quando passa o terceiro dumbo, sempre na mesma direção, um deles não aguenta:
- o ninho deles deve sê pra lá!
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O cumpadre tava que arrastava a asa pra cumadre.
Um dia o cumpadre-marido saiu cedo pra roça e o cumpadre-alado foi logo se instalando na cozinha da cumadre. Aquele negócio todo no ar.
E um olha prum lado e a outra olha pro outro e cutuca a unha suja e raspa sujeirinha na mesa até que, 45 minutos de silêncio depois, o cumpadre-alado arrisca:
- oh cumadre, nois vamo transá ou tomá café?
- ma cumprade!, num é que ocê me pegô sem pó?
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De repente, passa um elefante voando. Eles olham e não dizem nada.
Outro elefante passa voando. Nem uma palavra.
Quando passa o terceiro dumbo, sempre na mesma direção, um deles não aguenta:
- o ninho deles deve sê pra lá!
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O cumpadre tava que arrastava a asa pra cumadre.
Um dia o cumpadre-marido saiu cedo pra roça e o cumpadre-alado foi logo se instalando na cozinha da cumadre. Aquele negócio todo no ar.
E um olha prum lado e a outra olha pro outro e cutuca a unha suja e raspa sujeirinha na mesa até que, 45 minutos de silêncio depois, o cumpadre-alado arrisca:
- oh cumadre, nois vamo transá ou tomá café?
- ma cumprade!, num é que ocê me pegô sem pó?
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terça-feira, 6 de setembro de 2011
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