terça-feira, 17 de maio de 2011

Drummond, múltiplo em um poema

Muita gente já leu Mineração do Outro (*). E escreveu. Pouco leio leitura alheia. Se você também é assim, pare aqui.

Tem, no Mineração, o último verso:

arder a salamandra em chama fria.

Diz que salamandra é bicho que não queima. Tanto que o operário que entra na caldeira quente pra consertar tem o apelido de salamandra, que também é nome de aquecedor. A vagina tem forma e consequência de chama. Carlos é gauche. Cada um que junte como quiser.

Mas os primeiros versos são meus favoritos:

Os cabelos ocultam a verdade.
Como saber, como gerir um corpo
alheio?


Vamos dizer que amante do Carlos é Vênus. Não é a Williams, que Carlos não conheceu, mas bem podia ser, se tivesse conhecido.

Os cabelos são de Vênus, ninguém há de negar. Carlos nunca teve muitos, mas, ainda que tivesse tido, os cabelos seriam de Vênus.

O "alheio?" está em verso solitário e aí começa a folia.

A primeira dúvida plantada é de quem é o "alheio?". Gerir um corpo alheio não é fácil. Gerir o corpo de Vênus quando Carlos está alheio no ato, menos ainda. Para gerir o corpo de Vênus, só estando alheio? Como são mais ricas, fico entre a segunda e terceira explicações, sem nunca me esquecer da primeira, pra estragar um pouco menos o poema.

Mas não pára(**) aí.

Ao separar o "alheio?" do corpo, a dúvida não foi só para o alheio, foi também para o corpo. No amor é grande a dificuldade de gerir o corpo do outro, mas é ainda maior a lida de gerir o próprio corpo. Só é possível, se estiver alheio?

Esse Carlos é mesmo do balacobaco.

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(*) aqui tem o poema inteiro e leitura de outro Carlos. Cuidado com a internet, tem gente que não separa o "alheio?" em verso isolado. Esses bárbaros!

(**) para combater outros bárbaros

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