Moleque rueiro ainda, já sofria as dores das regras da acentuação pátria.
Seu nome, Mario, constava na certidão sem o sinal da certeza da tônica. Parecia-lhe até que o gênero garantia a pronúncia, pois pouco importava se terminado com “o” ou “a”, o sexo lhe vinha pela sílaba forte, que, se no “i”, caberia à Virgem.
Mas da rua vai-se à escola e Dona Doroty - porque com “y” se não tinha mais “y” no abecedário? ele e o pai enlouqueciam com essas faltas de rigor – lhe ensinou que as paroxítonas terminadas em ditongos crescentes recebiam acento. Só depois concordaria com as regras de acentuação que garantiam relações biunívocas entre grafia e pronúncia, mas só quando aprendeu o significado de “biunívoca”.
No dia em que a adorável, mas exata, Dona Doroty ensinou a regra, ergueu o braço e mandou: “no meu nome não tem acento! o moço do cartório escreveu assim no documento”.
Três broncas imediatas: “no seu nome não há acento, que eu já ensinei o verbo haver para vocês; evite rimar fora da poesia, como em ‘acento’ e ‘documento’; e não é porque um funcionário ignorante um dia errou seu nome que para sempre você vai errar também”.
Sabia que as duas primeiras eram insignificantes, mas o efeito da terceira bronca foi devastador. Desde então, toda vez que escreve o próprio nome, oscila como o pêndulo do relógio-cuco da avó: “obedeço ao cartório ou à Dona Doroty?”
(pro pessoal do Mecânicos de Guarda-Chuva, com um abraço)
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