sábado, 30 de abril de 2011

O cérebro e o coração

A ciência evoluiu e, com ela, a definição de morte. Morrer não é mais ter o coração parado. A morte agora é cerebral.

Trocamos o coração pelo cérebro.

E não foi só pra isso.

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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Coringa do medo de incomodar

Antes do tempo do eu-menino (que não conto quando foi), o medo de incomodar era o mínimo que os educados deviam ter. Mesmo os pequeninos. Eram muitas as antigas histórias de crianças "pidonas" e os assustadores castigos que tinham sofrido.

Sobrou um pouco desse excesso de dedos pra minha infância, tanto que, antes de aceitar uma guloseima qualquer, ainda que preparada pela tia querida, eu esperava que a oferta fosse feita três vezes.

No terceiro "pega!" ficava claro: aquele doce não ia fazer falta pro dono e quem insistia três vezes queria no duro que a gente aceitasse! Deixei de comer muito doce gostoso por desistência dos adultos mais impacientes ou mal informados das regras de etiqueta caipira.

O medo de incomodar também impedia que dormíssemos nas casas dos amigos ou que nossos pais usassem, a menos das urgências graves, o telefone do único vizinho que era conectado pela Telesp.

E vinha desse medo uma expressão deliciosa.

Mesmo depois de uma visita muito agradável à casa de um camarada, em que todos tinham trocado um caminhão de afetos e sorrisos, aquele que ia embora disparava a escusa coringa:

- Desculpa qualquer coisa.

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terça-feira, 12 de abril de 2011

Símbolos


Todo mundo já precisou escolher um desses dois botões no elevador e, em vez de fechar, abriu. Ou vice-versa.

Você esta lá naquele momento em que já se instalou pra subida, olhando pra frente, e a porta ainda não se fechou. Vê ali o amigo que corre sorrindo por ter alguém que segure a caixa pra evitar a espera e, ainda por cima, garantir a viagem no papo da manhã. "Que bom! é fulano", e, rápido, vai com o dedo pra segurar a porta. "É essa ou aquela? o triângulo pra fora abre ou fecha?". Segundos fatais. A porta não respeita a dúvida e a máquina vai, levando um e deixando outro sorriso amarelo.

Que diabo! O melhor sinal pra abrir ainda é ABRE e, pra fechar, é FECHA.

Inclusive pros analfabetos.

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sábado, 9 de abril de 2011

Território mínimo

As andorinhas pousadas nos fios mantêm um espaço entre si. Um sim, um não; um sim, um não. Pra não virar bagunça, que elas já garantem com a gritaria.

Ouvi uma vez que o truque do domador não é o chicote, mas o passo para trás. Ta lá o leão achando que naquela distância não faz mal ter um sujeito vestido de forma ridícula. O almoço sem sabor dá um passo pra frente; "gruurraauurrruuuu" (tradução: "oooolha! ta muito perto!"), o rei alerta; o almoço estala o chicote e ao mesmo tempo, malandro que é, recua o passo que avançou; "rruruuuu" (trad: "não sei que barulho é esse, mas fica aí que ta bom"); e a plateia aplaude a coragem e o poder do insosso.

Tudo uma questão de distância civilizada.

Por isso a gente fica tão sem graça com um desconhecido no elevador.

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Quando se tem convicção

Na repartição tinha (havia) um senhor bom de português. Muito rigoroso, corrigia todo mundo, não por arrogância, mas por vício de décadas de magistério.

Voltando do almoxarifado, uma colega falou: - não tem mais borracha.

Ele mandou professoral: - já te falei que não é "não tem", mas "não há" que se fala.

- ah, Fulano, depois do 'tinha uma pedra no meio do caminho' do Drummond, esse uso ta mais do que autorizado, socorri a moça.

Ele olhou pra cima como quem se lembra e sentenciou: - eu nunca vi nenhuma graça nesse poema!

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PS: Há (tem) uma outra autorização pra lá de talentosa desse uso: Ou então felicidade / É brinquedo que não tem ("Boas festas" - Assis Valente)

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